sábado, 8 de fevereiro de 2014

ERA UMA VEZ NO IBAMA

Era uma vez no IBAMA.
Usuário: Alô? É do IBAMA? É que apareceu um filhote de passarinho no meu quintal...
IBAMA: Sim...
Usuário: E eu queria saber se posso cuidar dele?
IBAMA: Não! O Senhor não pode cuidar dele. Deixe que a mãe dele faça isso!
Usuário: Mas eu acho que ele caiu do ninho...
IBAMA: Sim! É normal filhotes caírem do ninho. Inclusive há mães que jogam o passarinho para fora do ninho para não comprometer os outros filhotes, em caso de doenças ou outra situação.
Usuário: Mas parece que ele caiu do ninho porque as crianças sacudiram a árvore.
IBAMA: Então deixa ele lá que a mãe vai cuidar dele.
Usuário: Mas os meninos pegaram o passarinho e trouxeram para o meu quintal.
IBAMA: Então pede para eles colocarem o passarinho no lugar onde pegaram.
Usuário: Mas se eles colocarem lá ele vai morrer. Tem uma gambá que anda toda noite por aqui.
IBAMA: Sim, provavelmente! Gambás comem passarinhos.
Usuário: Mas então eu não posso cuidar dele para que ele não morra?
IBAMA: Não!
Usuário: Então tenho que deixá-lo morrer no meu quintal?
IBAMA: Não! O senhor pode colocá-lo em algum terreno baldio próximo ao ninho.
Usuário: Mas a gambá certamente vai encontrá-lo e comê-lo.
IBAMA: É... certamente não sei, mas provavelmente sim!
Usuário: E se eu levar o passarinho aí no IBAMA?
IBAMA: Infelizmente o Sr. não pode ficar andando com o animal pela cidade. Vai que uma fiscalização pega o senhor, e como irá justificar a posse do animal?
Usuário: Então venham buscar o passarinho aqui em casa.
IBAMA: Infelizmente os procedimentos administrativos para o IBAMA ir até a sua casa são demorados e deve consumir alguns bons dias. Ligue para a prefeitura de sua cidade e veja se eles podem ajudar de alguma forma.
Usuário: A prefeitura aqui não faz nada pelos animais.
IBAMA: .......... (silêncio)
Usuário: Quer dizer que, mesmo assim, eu não posso ficar com ele.
IBAMA: Não! Este animal não está legalizado.
Usuário: E como eu posso legalizá-lo?
IBAMA: Não há como!
Usuário: Mas o meu vizinho tem um passarinho que foi legalizado pelo IBAMA.
IBAMA: Então o Sr. pergunte a ele como foi que legalizou e faça igual.
Usuário: Ele me disse que pagou 150 reais a um amigo e assinou uma procuração para legalizar junto ao IBAMA. E ele recebeu 2 anilhas, só que elas eram pequenas, então ele alargou as anilhas com uma ponteira e colocou nos passarinhos. Tem numeração e tudo.
IBAMA: Mas isso é ilegal!
Usuário: Mas o senhor me deu a orientação de “fazer igual a ele”.
IBAMA: Se o senhor fizer isso também estará ilegal!
Usuário: Mas o meu vizinho está com um passarinho. Mesmo ilegal, mas está, e eu não posso?
IBAMA: Então me passa o endereço do seu vizinho?
Usuário: ........ (silêncio)
Usuário: Então só me resta rezar pelo passarinho para que ele não morra?
IBAMA: .............. (silêncio)
Usuário: Alô?
IBAMA: Senhor, qual é o endereço do seu vizinho por favor?
Usuário: ......... (silêncio)
A ligação caiu...


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Algumas questões que envolvem esse tema, podem e devem ser refletidas/debatidas:

1 – O PAPEL DO IBAMA EM RECOLHER/TRATAR ANIMAIS SILVESTRES:
É papel do IBAMA? Se for, tem que haver estrutura, equipamentos, mobilidade administrativa, etc... Para o IBAMA mobilizar uma equipe para recolher animais não é tarefa fácil, ou melhor, não existe a menor possibilidade em se falando de procedimentos legais, a não ser em raríssimos casos, quando o local está bem próximo da Sede, e só. É preciso ter uma estrutura semelhante a do Corpo de Bombeiros. As ONGs possuem maior flexibilidade administrativa e financeira para fazer esse papel de recolher animais, tratar e dar o melhor encaminhamento.

2 – AS AÇÕES DE LEIGOS E SUAS VISÕES ROMÂNTICAS NO TRATO DE ANIMAIS SILVESTRES/QUESTÕES AMBIENTAIS. A legislação que protege os animais silvestres visa também protegê-los do homem. Geralmente o leigo não pode ver uma capivara no rio de sua cidade que quer logo retirá-la de lá, então chama o IBAMA. Se, vê uma cobra atravessando a rua, uns querem matá-la, outros querem recolhê-la e levar ao IBAMA. Não conseguimos assistir passivos à uma cena de uma gaivota comendo uma tartaruguinha. Queremos logo protegê-la. Uma jaguatirica caçando um filhote de veado. Um gavião perseguindo um passarinho... Tratamos logo de interferir nesse processo natural de sobrevivência, de seleção natural, de dinâmica da cadeia alimentar... Queremos assumir o papel de Deus nesse contexto interferindo na natureza.
As denúncias que o IBAMA recebe, em sua maioria, são motivadas por interesses “menores”, quase sempre de interesse pessoal: Esposa traída denuncia o marido que cria passarinho ilegal... O vizinho denuncia o outro porque a maritaca faz muito barulho, não porque pode estar sendo maltratada... O cidadão denuncia o corte de um eucalypto (que é espécie exótica) só porque ele não aguenta ouvir o barulho da moto-serra, ou aquela cena (triste em nosso imaginário) de uma árvore caindo, mas não se importa com o desmatamento que ocorre na amazônia. Briga com o vizinho porque ele queima folhas secas à tarde no quintal, mas você acha normal soltar seus fogos nos dias de jogos do seu time, nas festas de aniversário e no reveillon... e por ai vai.

3- A legislação de proteção para animais silvestres é bem diferente do trato com animais domésticos. Receber um cachorro, um gato, um pintinho, etc... de uma pessoa e criar em casa é uma coisa. Receber um animal silvestre (papagaio, lagarto, maritaca, preá, jabuti, saracura, etc) é outra coisa. Isso não pode, ou até pode, mas tem algumas restrições que a lei exige, com prévia autorização. Insistir nessa situação e ficar ilegal, sujeito à multas... Quem analisa o bom senso das pessoas não é o Fiscal/Polícia, mas o Juiz.  Então não espere que um Fiscal ou Policial tenha o bom senso de relevar suas atitudes (erradas do ponto de vista da lei) no trato com animais silvestres, mesmo que sejam as melhores possíveis. Querer que o Fiscal/Policial tenha o direito de analisar o bom senso das pessoas é abrir caminho para os “desmandos”... Se, entendemos que a legislação é falha, temos que trabalhar para mudá-la e não pedir que o Fiscal/Policial deixe de aplicá-la. Assim, aos olhos cegos da lei não se pode levar um animal silvestre para casa, mesmo que seja para tratá-lo temporariamente. Nenhum servidor do IBAMA poderá garantir que essa pessoa não seja molestada por uma fiscalização ambiental, por um fiscal sem o “bom senso”.

4- ATITUDES LEVIANAS DE SERVIDORES QUE INFRINGEM AS NORMAS ADMINISTRATIVAS VISANDO O “BOM SENSO” (VISÕES ROMÂNTICAS)
É muito comum no IBAMA encontrar servidores que se arriscam cometendo atitudes ilegais (fora das normas administrativas) visando o pronto-atendimento às demandas da sociedade, principalmente nessas questões de fauna. Fazer serviço externo sem os trâmites burocráticos necessários (autorização para utilizar viatura, ordem de serviço, solicitação de diárias, etc...),  recolher o animal e levar para sua residência para melhor tratá-lo...; Confiar o animal a terceiros sem emitir qualquer documento legal (fiel depósito), etc...; Dar autorizações, mesmo que por telefone, a terceiros para ficarem com animais silvestres em sua posse, entre outras tantas leviandades, e que quase sempre terminam em processos administrativos internos, mesmo que eivados de “bom senso”.

Acho que agora, você possa entender melhor o que o servidor do IBAMA quis dizer ao telefone, para o usuário...